XII CONADEP DISCUTE POPULAÇÃO DE RUA EM PAINEL

07/01/2016 07/01/2016 15:00 412 visualizações

“Já somos uma multidão de invisíveis. Entre os moradores de rua encontram-se todas as minorias: negros, mulheres, crianças, idosos, GLBT,...todos sujeitos de direitos, só que ainda mais vulneráveis pois se encontram em situação de rua. Somos o que ninguém quer ver, mas estamos lá. A cada dia chega mais pessoas nesta situação” , desabafa Leonildo Monteiro Filho, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua.

Leonildo, que emocionou a platéia contando sua própria história de morador de rua, foi um dos painelistas que apresentaram e debateram o tema “Os desafios da atuação da Defensoria Pública com a população em situação de rua", na manhã desta quinta-feira (5) como uma das atividades mais esperadas do XII Congresso Nacional de Defensores Públicos (CONADEP). O debate foi mediado pelo Defensor Público do Tocantins Arthur Pádua Marques e conduzido também pelo antropólogo e pesquisador Tomás Melo e pelo defensor público de São Paulo e coordenador do Núcleo Público de Cidadania e Direitos Humanos, Carlos Weis. A relatora da mesa foi a Defensora Pública do Paraná Camille Vieira

O assunto refletiu sobre a situação da população de rua no Brasil e abriu uma janela sobre atuação da Defensoria Pública junto a este público entendido como o mais vulneráveis entre todos os assistidos pela instituição.

Arthur Pádua Marques lembrou que os acessos aos serviços públicos são muito limitados para a população de rua. “Eles muitas vezes não têm documentos e nem se enquadram nas regras de perfil para acessar estes serviços”. O defensor lembrou também o fato ocorrido em Palmas recentemente, quando o município estabeleceu critérios para o uso do restaurante comunitário e os moradores de rua não se enquadraram neles. “Se não for a Defensoria Pública para cuidar disso, quem será?” provocou ele.

Carlos Weis enfatizou também a necessidade de criação de núcleos especializados para atendimento à população de rua e até mesmo um manual de atuação funcional para nortear este tipo de atendimento. Segundo Weis a Defensoria Pública ainda é muito baseada no modelo burocrático que recebe as pessoas em escritório, o que muitas vezes acaba deixando este público à margem dos atendimentos e serviços oferecidos. “Estas pessoas muitas vezes nem sabem que existe uma Defensoria Pública ou que eles têm direitos. São pessoas muito massacradas pelo sistema, que têm medo dele. É preciso que haja uma equipe multidisciplinar e trans-disciplinar que vá até eles. Isso é uma atuação que não pode ficar meramente no campo do Direito, precisa contar com a interlocução de movimentos sociais também” reflete.

O pesquisador e antropólogo Tomás Melo lembrou também que é um equívoco pensar em moradia somente no sentido de propriedade, como tendemos a fazer. “No caso de populações de rua é necessário entender que é preciso haver um fluxo de políticas públicas convergentes que atendam as necessidades mais básicas destas pessoas. Não se resolve o problema simplesmente levando esta pessoa para uma moradia definitiva na periferia; existem as relações que elas possuem e isto normalmente é tudo o que restou para elas. É preciso olhar para estas pessoas com humanidade”.

DEBATE E DESABAFO

Em uma platéia repleta de Defensores Públicos e estudantes de Direito, ávida por fazer perguntas, surge uma voz tímida e vacilante. Era Aline Silva Sales, de 32 anos, moradora de rua desde os 21 e hoje albergada em uma instituição social de passagem. Sua pergunta dizia respeito à sua permanência no local, pois segundo ela já havia recebido o um ultimato para deixar a casa até dezembro. O caso de Aline é muito parecido com o de milhares de pessoas que buscam abrigo em instituições de Assistência Social e se vêem cercadas de tantas dificuldades, maus tratos e até agressões, que acabam por voltar para as ruas, cada vez mais descrentes nos serviços públicos.

Para Aline e seus companheiros convidados a participar do evento pelo Leonildo, a descoberta da existência de uma Defensoria Pública que se interessa pelo caso deles foi uma luz. “Eu já estava me preparando para aceitar que tenho que voltar para as ruas, mas agora já penso que antes de acontecer isso vou procurar um defensor público” disse ela feliz.

Enriquecendo a discussão a ouvidora geral da Defensoria Pública da Bahia, Vilma Reis, compartilhou a situação das mulheres em situação de rua, que segundo ela, são as mais vulneráveis: “Elas sofrem todo tipo de violência nas ruas. Quando têm filhos precisam se investir de muita coragem para colocá-los na escola, pois quando fazem isso o sistema as ‘encontra’ e logo perdem a guarda de suas crianças” desabafou.

Leonildo Monteiro acrescentou a história de uma grávida que disse para ele que já tinha seu “enxoval” – uma tesoura e um esparadrapo – que seria usado por ela para fazer seu próprio parto em meio à praça pública. Isso, segundo ele, para não ter seu filho retirado ainda no hospital, como já ocorrido com outras mães de rua.

“A única porta que nos atende hoje com carinho é a Defensoria Pública então depositamos nela a nossa esperança. Eles não nos tratam como coitadinhos mas como pessoas que têm direitos a serem resguardados” Concluiu Leonildo.